A Galeria Olido apresenta este mês a III Mostra de Repertório da Cia. Borelli de Dança com a Mostra Canto dos Malditos. E no último fim de semana a homenagem é a Augusto dos Anjos com uma transposição para a linguagem coreográfica de sua vida e obra.
“A morte, tema recorrente em suas poesias, encontrou ressonâncias profundas no processo criativo da Cia. Borelli que também explora os limites da fragilidade humana. A poesia de Augusto dos Anjos te condiciona a perceber que o aniquilamento da vontade de viver é o caminho natural do ser humano. Viveu em uma realidade de crise social profunda no país, um modo de produção pré-capitalista, um prenúncio do proletariado, proprietários falindo, ex-escravos na miséria e problemas familiares profundos além de ter uma saúde frágil que o atormentou por toda a vida. A sua poesia apresenta um mundo repleto de tragédia, cada ser vivenciando-a do nascimento à morte. Sem qualquer alternativa…”
Senhor dos Anjos busca os demônios de Augusto e toda inquietação que assolou sua existência através do movimento do corpo e a poesia que ele contém. A delicadeza, a sutileza da dor e os limites da carne vistos com uma única saída: a morte.
Serviço
III Mostra de Repertório da Cia. Borelli de Dança
Mostra Canto dos Malditos – Senhor dos Anjos
Local: Galeria Olido – Sala Paissandu
Endereço: Avenida São João, 473 – Centro
Tel.: 3397-0173
Data: 26 a 28/03 às 20h; 29/03 às 19h
Entrada Franca
DROPS
À mesa
Cedo à sofreguidão do estômago. É a hora
De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,
Antegozando a ensangüentada presa,
Rodeado pelas moscas repugnantes,
Para comer meus próprios semelhantes
Eis-me sentado à mesa!
Como porções de carne morta … Ai! Como
Os que, como eu, têm carne, com este assomo
Que a espécie humana em comer carne tem! …
Como! E pois que a Razão me não reprime,
Possa a terra vingar-se do meu crime
Comendo-me também.
Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Plenilunio
Desmaia o plenilúnio. A gaze pálida
Que lhe serve de alvíssimo sudário
Respira essências raras, toda a cálida
Mística essência desse alampadário.
E a lua é como um pálido sacrário,
Onde as almas das virgens em crisálida
De seios alvos e de fronte pálida,
Derramam a urna dum perfume vário.
Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctâmbula do Amor,
Eu, noctâmbulo da Dor e da Saudade.
Ah! como a branca e merencórea lua,
Também envolta num sudário — a Dor,
Minh’alma triste pelos céus flutua!